sexta-feira, julho 30, 2004

encantam-me as borboletas
as suas cores
o seu baile
de felicidade
seduz-me o seu encanto
a saltitar de alegria
num desejo único
de ser uma parte de mim

quarta-feira, julho 28, 2004

deram-te voz e ganhas-te outra alma

Pressentindo
o desassossego da noite
a voz
indicou o caminho
isolou o rosto
diluiu memórias
esqueceu o nome
humedeceu o olhar
a voz
ergueu bocas
em beijos loucos
sabotou o canto das aves
juntou à alma o mar
a voz
espreitou pela janela
prendeu-se num raio de luz
navegou desejos
cicatrizou feridas
mas mais...
a voz
petrificou lágrimas
culpou a solidão
uniu dois corpos
e
a voz
deixou por fim
ouvir o amor

onda

gritou a voz liberta no alvoroço da madrugada



A voz indicou o caminho
isolou o rosto
diluiu memórias
esqueceu o nome
humedeceu o olhar
pressentiu a noite nervosa
ergueu bocas
em beijos loucos
impediu o canto das aves
juntou à alma o mar
espreitou pela janela
prendeu-se num raio de luz
divagou desejos
cicatrizou feridas
congelou lágrimas
culpou a solidão
uniu dois corpos
a voz
deixou por fim
ouvir o amor

onda

terça-feira, julho 27, 2004

quebrei as sombras do tempo com palavras



construí meu rosto
de uma caverrna

rasguei a noite
com o luar

com madrugadas
cantei ventos

sonhei na inversão do tempo,
fiz da loucura a realidade

destruí a cidade
com vícios nocturnos

desenhei a solidão,
dei-lhe a lógica

ao dia várias cores
para se tornar evidente

chamei vida
à morte!

abri a porta à realidade
eram tantas que me confundiram

ali deixei o meu olhar tornar-se liso
quebrei os vidros do tempo

onda

segunda-feira, julho 26, 2004

disse sim em vez de não




disse sim
à vida ainda no ventre de minha mãe
um sim
quando tentei falar
sim,
quando as regras me impunham a chorar
um sim
ao meu primeiro beijo
tantos sins pela vida fora
às ilusões,
desilusões
aos mistérios,
aos prazeres
sim
ao fascínio e ao sonho
à imagem verdadeira do amor
às horas de incerteza
sim
aos queixumes
e lamentos da noite
às lágrimas que
teimavam em cair sem beleza


talvez noutro momento,
noutra lembrança
de poder
o meu pensamento
na calma de uma liberdade já passada
em qualquer altura,
mesmo agonizada,
conseguisse dizer não
não ao obsessivo
poeirento caminho
não ao hábito
da noite
não à dor
de infortúnios
não no momento
de nascer


onda

alimento o olhar com as tuas palavras




Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.


Al Berto

digo palavras, lembro-me de um mar verde, o desfolhar do medo, a força do olhar




Num olhar gelado
sorri.
Entrou no corpo
queimou,
sonhei
o coração cantou
suspirei com energia
a liberdade de uma vida
escondida
num medo
em farrapos de tempo
entre frio
chuva
e vento,
num abraço
escutei
e senti,
o tempo passar veloz.


onda

nostalgia de uma noite




nostalgia
da noite,
no silêncio
do caminho
entre a madrugada perdida
em
destinos
ânsias
frustrações,
no absurdo frio
de um sonho.
Arrumei
a
luz do dia
na ternura de amantes
entre o espaço
da janela.
Memórias de grito eloquente
num sim à poesia,
onde a poesia
é excelência
nas palavra interessantes
dentro da cidade perdida.
Troquei o ontem
pelo amanhã
para o sentir
renovado
de razões
numa deriva de olhar
o azul
pisando a areia da vida.

onda

domingo, julho 25, 2004

Amava-a e pela eternidade irei dilacerá-la




Amava-a e pela eternidade
irei dilacerá-la,
o punhal que embrenhei
nas aurículas
cerceando o riacho
das veias
será agora amante
de Rosalia ,
penetrará as costas
buscando o coração ,
a redoma da morte
não é refúgio
suficiente ,
no inferno não há
meias medidas.
Ficámos juntos
em território danado.
Apesar da matilha de cães ,
o dilaceramento ,
a bruta repetição do crime
pelos séculos dos séculos ,
eu e a minha amada
estamos livres de Deus
até ao fim do mundo.


Fátima Maldonado

sábado, julho 24, 2004

o impossível




agarrei o Mundo entre os dedos da mão
gritei-lhe bem alto a dor da desilusão


pintei-o como se fosse um arco-íris...
tirei-lhe a guerra, a fome, as amarguras da vida


gritei-lhe o desespero do frio
da dor, da destruição e revolta


tentei ensinar-lhe a usar
o verbo amar e pensa


mergulhei-o no abismo
entre passos incertos


em pedaços de gente
pedi-lhe o momento


e por um instante o mundo parou


onda

quinta-feira, julho 22, 2004

leio-te no silêncio de todas as noites Herberto Helder



Amo-te
— diríamos nós,
no exacto instante de lhe cravar o punhal
no meio do peito.

E depois
desejaríamos que se fizesse luz,
uma grande luz branca,
o sol,
para vermos o sangue correr e,
possivelmente,
afogar a nossa boca no sangue amado.

Para conhecermos tudo,
até ao fundo
e até ao fim.
Porque o amor e o conhecimento
são as artes do crime.

Tenho um ramo de flores para ti,
diz o amante:
são flores, venenosas.

Mas toda a gente sabe isto:
ninguém deseja nada do amor.

É o tema eleito das palavras.

Eis a razão por que o outro
está escondido na praça,
ao meio da qual existe um largo fontanário,
com a sua rodada taça de pedra,
de onde transborda uma água
silenciosa e dormente.

A brasa do cigarro
marca uma curva no ar
e cai na água.


Ele está ali, bem perto.
Mas depois
tudo será mais difícil.

Porque
será a perseguição declarada,
sem o pretexto de pedir lume.

Também não haverá já
a indicação do lume, no meio da noite
— o sinal de que ali está a pessoa,
viva,
fumando,
respirando,
tremendo.

Porque foges?,
e enquanto,
no mais secreto da sua aflição,
ele o pergunta,
corre em direcção ao fontanário
e quase esbarra com o outro.

Sentem-se,
mútuos,
únicos,
arfam no escuro da praça,
a treva treme levemente
na água adormecida.

Mas ele diz
(e quem sabe se isso é absurdo?)
diz: lume,
e o outro escapa-se,
e põe-se a correr em volta
do fontanário.

Os sapatos
chapinham na água e a ele,
que já começou a persegui-lo,
correndo também em torno da taça de pedra,
chapinhando do mesmo modo
na água vazada,
ocorre-lhe um insólito pensamento:
caminhamos sobre as águas.

Então abranda um pouco a corrida,
inclina o corpo para a direita,
e mete a mão na água da taça.

É um ruído novo,
virgem,
e o contacto da sua carne com a água
faz nascer em si uma confusa alegria,
o sentido de uma festa natural,
o desejo de morrer ali,
agora,
triunfalmente.

E o outro?
— o outro foge,
e como não abrandou o passo,
nem mergulhou a mão na água,
nem pensou (supõe-se) na alegria
de uma festa mortal,
o outro adiantou-se,
e já se encontra no lado oposto
do fontanário.

E é ágil,
essa criatura sem nome,
o ser que se ama,
aquele que se persegue
e a quem se deseja conhecer,
para suplicar lume,
ou voz,
ou vida,
ou sangue,
ou sabe--se lá o quê.

Corre depressa demais.
E andando em círculo,
chapinhando sempre na água,
e às vezes pensando ainda:
caminhamos sobre as águas,
ele sente,
súbito,
que o outro avançou bastante.

Treme de medo,
porque o outro avançou tanto
que já ultrapassou o ponto onde,
com o ponto onde ele se encontra,
formava os extremos do diâmetro
do círculo.

E isto significa:
o outro é agora o perseguidor.

E, como avança cada vez mais,
torna-se cada vez mais no perseguidor,
e ele no perseguido.

Talvez o outro pense:
porque foges?,
e lhe queira pedir a sua voz,
o seu amor,
o seu sangue.

É quando sente perto da nuca
a respiração do outro.

Tem tempo apenas para desviar-se,
correr para a esquerda,
atravessar a praça
e meter por uma ruela negra.

Mas, parando um instante,
ouve os passos do outro na sua direcção.

E então foge através do bairro,
do tempo,
de pedra em pedra,
com o seu pavor de animal perseguido,
ouvindo o bater implacável
dos pés do outro.
Haveria palavras para ouvir,
a antiquíssima súplica do perseguidor:
porque foges?

E que poderia ele dizer?:
tenho medo?

As palavras nunca mais acabariam,
enredar-se-iam umas nas outras,
seria um jogo mortal.

Não mais haveria
a suspensão do irremediável,
esta espécie de silêncio na beira do crime,
no qual sabemos,
com dor,
que ainda estamos vivos.

Ele foge.

Quem sabe
se a noite terá fim?


Herberto Helder


Cortaram os trigos. Agora

a minha solidão vê-se melhor.



Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, julho 21, 2004

atiro pétalas ao vento na noite e partilho o seu enlevo




A casa onde às vezes regresso é tão distante

da que deixei pela manhã

no mundo

a água tomou o lugar de tudo

reúno baldes, estes vasos guardados

mas chove sem parar há muitos anos



Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai

Uma viagem se deu

Entre mãos e o furor

Uma viagem se deu: a noite abate-se fechada

Sobre o corpo



Tivesse ainda tempo e entregava-te

O coração


José Tolentino Mendonça


terça-feira, julho 20, 2004

A Salada




No meu prato que mistura de Natureza!
As minhas irmãs as plantas,
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza. . .

E cortam-nas e vêm à nossa mesa
E nos hotéis os hóspedes ruidosos,
Que chegam com correias tendo mantas,
Pedem «salada», descuidosos...

Sem pensar que exigem à Terra-Mãe
A sua frescura e os seus filhos primeiros,
As primeiras verdes palavras que ela tem,
As primeiras cousas vivas e irisantes
Que Noé viu
Quando as águas desceram e o cimo dos montes
Verde e alagado surgiu
E no ar por onde a pomba apareceu
O arco-íris se esbateu...



Alberto Caeiro

"usar as palavras certas..."

Usar as palavras certas e ter no entanto delas o pudor! Pronunciá-las então dentro dos lábios para que as possas recolher nas modulações do silêncio, como se as emitisse dentro de um aquário: o movimento da boca dos peixes. Assim o pensaria ainda hoje se não tivesse descoberto que afinal as palavras são peixes voadores. Elas atraiçoam a nossa contenção, forçam o degelo, conduzem-nos à clareira que buscávamos onde por fim abelhas zumbem e os teus lábios me salvam do sono.
 
 
Egito Gonçalves

  o teu sorriso no esplendor de uma suave explosão chega a mim o teu sorriso. aflui com emoção e calor, como sonhos mesclados nos en...